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quinta-feira, 24 de março de 2016

Mosaico

      Em cada canto soam ao despertar, tantas melodias, que se ajuntam às muitas vozes e, se lançam no dia a dia do mundo, agitando-se num ritmo selvagem, como se quisessem parar o tempo, ou ainda acobertando-se no anonimato do asfalto sombrio, infecundo de esperanças.
    As peças do mosaico vão sendo montadas pelos risos, gemidos, amores, desamores, lutas,  esperanças e desconsolos, dialogando com os recortes das faces de contornos enovelados pelos caminhos dos passos apressados que se bifurcam em parceria com o acaso.
     Tudo tão indescritível nessas ruas: Nas dobras de cada esquina um coexistir permanente com vestes de crenças e descrenças que se materializam nas entregas pela correria agitada dos cruzamentos e atalhos, enquanto o relógio marca o tempo na contagem dos dias, seja na credulidade ante os sonhos, ou  desafiando as incertezas da própria vulnerabilidade.
    Juntam-se às minhas reflexões: O que se move em cada corpo? Qual a mágica partilha por estradas retas ou sinuosas,  por caminhos curtos ou longos? Qual afirmação ou negação reveladora de cada esforço da lenda pessoal de cada um? As respostas se calam, emudecem na incógnita dos episódios, desfilando na trama do entardecer desses vários mundos, que se encontram ou se perdem na mesma aventura de prosseguir, embrulhados na paisagem de um trajeto, ou, do mesmo modo, relutantes em ratificar uma nova realidade.
     Vai-se o dia e, pela transpiração de todo corpo empertigado de esperas, com passos lentos, absortos, retornam da luta diária, congestionados nos engarrafamentos, ou enfileirados defronte as estações. Fugazes momentos na réstia de luz brilham e, pouco a pouco, agregados em seus abrigos, numa conexão de acolhimento, calam seus prantos, entre sorrisos e lamentações, rendem a alma no aconchego e se afogam no rebroto do jejum do dia. Ou, na crueza do anonimato, fazendo do céu o esteio nos abismos obscuros a reconhecer-se de longe pela luz que emana de alguma janela, numa negação escondidos e mergulhados em seus próprios corpos a render-se aos passos da madrugada que chega silenciosa.
    Aquietam-se. Reina a paz ou ressoam gemidos e lamentações para o encontro marcado com o novo dia.
   Enfim, contraditórias vidas, com sentimentos diversos rascunhados de ilusões, retratadas em sombras ou claridades e, desconhecidamente entreaberta no consolo da abstração de cada história, apesar de tudo. 
   Amanhã a labuta reinicia, fertilizando recomeços em novas buscas, avançando nas reticências de um mesmo chão, e nessa efervescência permanente prosseguem pela luta diária, movidos pelos desejos mais profundos, por vezes vividos e, por outras, apenas silenciosamente sonhados.
   

Stela Emilia Gusmão
20/03/2014

  

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